sábado, 26 de setembro de 2009

XXVI DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano B)



Leitura do Livro dos Números
(Nm 11,25-29)
Naqueles dias, o Senhor desceu na nuvem e falou com Moisés. Tirou uma parte do Espírito que estava nele e fê-lo poisar sobre setenta anciãos do povo. Logo que o Espírito poisou sobre eles, começaram a profetizar; mas não continuaram a fazê-lo. Tinham ficado no acampamento dois homens: um deles chamava-se Eldad e o outro Medad. O Espírito poisou também sobre eles, pois contavam-se entre os inscritos, embora não tivessem comparecido na tenda; e começaram a profetizar no acampamento. Um jovem correu a dizê-lo a Moisés: «Eldad e Medad estão a profetizar no acampamento». Então Josué, filho de Nun, que estava ao serviço de Moisés desde a juventude, tomou a palavra e disse: «Moisés, meu senhor, proíbe-os». Moisés, porém, respondeu-lhe: «Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!»


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 18 (19)

Refrão: Os preceitos do Senhor alegram o coração.

A lei do Senhor é perfeita,
ela reconforta a alma.
As ordens do Senhor são firmes,
dão sabedoria aos simples.

O temor do Senhor é puro
e permanece eternamente;
Os juízos do Senhor são verdadeiros,
todos eles são rectos.

Embora o vosso servo se deixe guiar por eles
e os observe com cuidado,
quem pode, entretanto, reconhecer os seus erros?
Purificai-me dos que me são ocultos.

Preservai também do orgulho o vosso servo,
para que não tenha poder algum sobre mim:
então serei irrepreensível
e imune de culpa grave.


Leitura da Epístola de São Tiago
(Tg 5,1-6)
Agora, vós, ó ricos, chorai e lamentai-vos, por causa das desgraças que vão cair sobre vós. As vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se, e a sua ferrugem vai dar testemunho contra vós e devorar a vossa carne como fogo. Acumulastes tesouros no fim dos tempos. Privastes do salário os trabalhadores que ceifaram as vossas terras. O seu salário clama; e os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo. Levastes na terra uma vida regalada e libertina, cevastes os vossos corações para o dia da matança. Condenastes e matastes o justo e ele não vos resiste.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 9,38-43.45-47-48)
Naquele tempo, João disse a Jesus: «Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco». Jesus respondeu: «Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós. Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa. Se alguém escandalizar algum destes pequeninos que crêem em Mim, melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós movidas por um jumento e o lançassem ao mar. Se a tua mão é para ti ocasião de escândalo, corta-a; porque é melhor entrar mutilado na vida do que ter as duas mãos e ir para a Geena, para esse fogo que não se apaga. E se o teu pé é para ti ocasião de escândalo, corta-o; porque é melhor entrar coxo na vida do que ter os dois pés e ser lançado na Geena. E se um dos teus olhos é para ti ocasião de escândalo, deita-o fora; porque é melhor entrar no reino de Deus só com um dos olhos do que ter os dois olhos e ser lançado na Geena, onde o verme não morre e o fogo não se apaga».


«NÃO O PROIBAIS»
Num mundo onde a diversidade e o pluralismo são cada vez mais evidentes, a tentação de absolutizar a própria experiência torna-se quase irresistível. Uma tentação a que a Igreja não é imune. Nos últimos decénios as nossas comunidades paroquiais, outrora conformes e idênticas, foram “infiltradas” por numerosas e inovadoras experiências de fé, que o Espírito suscitou no interior da Igreja.

O pluralismo não é uma realidade que basta “tolerar”: a comunidade cristã deve valorizar o complexo das expressões de fé que a caracterizam, como um tesouro que enriquece a vida da comunidade. Erguer muros, fechar portas, excluir tudo aquilo que é diferente... estes comportamentos são denunciados por Jesus como “anti-evangélicos” e ao anseio de uniformidade e monolitismo, Cristo contrapõe a ideia de comunhão na diversidade.

O caminho neocatecumenal, a renovação carismática ou o movimento dos folcolares (só para citar alguns) podem revelar-se uma verdadeira lufada de ar fresco para uma comunidade paroquial “atrofiada” num velho modelo pastoral reproposto ano após ano. Devemos acolher com alegria a novidade que estes grupos representam, sem nunca porém renunciar ao nosso espírito crítico, conscientes de que qualquer realidade nova apresentará sempre uma série de arestas por limar. Ao mesmo tempo não nos podemos esquecer que o perigo da uniformização está sempre ali, ao virar da esquina...

Não são só as comunidades paroquiais que podem cair na tentação de fechar-se e absolutizar o próprio modelo pastoral: o mesmo pode acontecer com todos os novos movimentos. Um grupo semelhante a uma seita arrogante, fechada, intolerante, fanática, que se arroga a posse exclusiva de Deus e das suas propostas não pode ser expressão da Igreja de Cristo. Não existe um só modo de viver a fé cristã, ou um único percurso espiritual fiel ao Evangelho. Nenhum movimento, grupo paroquial, ou comunidade cristã pode pretender o monopólio de Jesus e da Sua proposta ou olhar com desprezo as várias declinações que o Espírito Santo gerou em contextos, culturas e sensibilidades diferentes.

“Comunhão na diversidade” significa olhar para a própria comunidade como se esta fosse uma orquestra musical. Temos as cordas, os sopros, a percussão... toda uma série de instrumentos diferentes, com timbres bem distintos, mas que se fundem numa única melodia harmoniosa. Todos os instrumentos musicais devem encontrar o próprio espaço no interior da orquestra e receber do maestro a indicação exacta de quando e como inserir-se na sinfonia que juntos estão a executar. Se cada um decide ignorar o conjunto e tocar sozinho para o seu lado, o resultado final é previsível: uma grande barulheira!


(Tenham uma boa semana! E tentem não desafinar...)



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sábado, 19 de setembro de 2009

XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano B)



Leitura do Livro da Sabedoria
(Sab 2,12.17-20)
Disseram os ímpios: «Armemos ciladas ao justo, porque nos incomoda e se opõe às nossas obras; censura-nos as transgressões à lei e repreende-nos as faltas de educação. Vejamos se as suas palavras são verdadeiras, observemos como é a sua morte. Porque, se o justo é filho de Deus, Deus o protegerá e o livrará das mãos dos seus adversários. Provemo-lo com ultrajes e torturas para conhecermos a sua mansidão e apreciarmos a sua paciência. Condenemo-lo à morte infame, porque, segundo diz, Alguém virá socorrê-lo.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 53 (54)

Refrão: O Senhor sustenta a minha vida.

Senhor, salvai-me pelo vosso nome,
pelo vosso poder fazei-me justiça.
Senhor, ouvi a minha oração,
atendei às palavras da minha boca.

Levantaram-se contra mim os arrogantes
e os violentos atentaram contra a minha vida.
Não têm a Deus na sua presença.

Deus vem em meu auxílio,
o Senhor sustenta a minha vida.
De bom grado oferecerei sacrifícios,
cantarei a glória do vosso nome, Senhor.


Leitura da Epístola de São Tiago
(Tiago 3,16-4,3)
Caríssimos: Onde há inveja e rivalidade, também há desordem e toda a espécie de más acções. Mas a sabedoria que vem do alto é pura, pacífica, compreensiva e generosa, cheia de misericórdia e de boas obras, imparcial e sem hipocrisia. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz. De onde vêm as guerras? De onde procedem os conflitos entre vós? Não é precisamente das paixões que lutam nos vossos membros? Cobiçais e nada conseguis: então assassinais. Sois invejosos e não podeis obter nada: então entrais em conflitos e guerras. Nada tendes, porque nada pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 9,30-37)
Naquele tempo, Jesus e os seus discípulos caminhavam através da Galileia, mas Ele não queria que ninguém o soubesse; porque ensinava os discípulos, dizendo-lhes: «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens e eles vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará». Os discípulos não compreendiam aquelas palavras e tinham medo de O interrogar. Quando chegaram a Cafarnaum e já estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: «Que discutíeis no caminho?» Eles ficaram calados, porque tinham discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior. Então, Jesus sentou-Se, chamou os Doze e disse-lhes: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos». E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles, abraçou-a e disse-lhes: «Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».


SER O MAIOR...
Se já tiveram a oportunidade de participar num curso bíblico, provavelmente já ouviram falar no “critério do embaraço”, um critério que nos ajuda a determinar a autenticidade de um episódio (ou de uma afirmação) na Sagrada Escritura. Normalmente quem conta a própria história tende a idealizar a realidade que descreve. Portanto, quando encontramos no Novo Testamento textos que descrevem erros ou defeitos dos apóstolos, podemos atribuir um alto grau de autenticidade histórica a esses episódios, pois ninguém redigiria páginas descrevendo as próprias “más figuras” se essas não tivessem realmente acontecido. Se seguirmos a lógica do “critério do embaraço”, então o Evangelho deste domingo é, sem sombra de dúvida, “autêntico”, ou seja, fiel ao que realmente aconteceu.

Depois do primeiro anúncio da paixão que escutámos na semana passada, Jesus descreve pela segunda vez o destino de morte e ressurreição que o espera em Jerusalém. Ele insiste que a sua missão não inclui triunfos e glórias humanas, mas sim, a obediência total à vontade do Pai e a oferta da Sua vida como dom de amor. Mas entretanto, o que fazem os apóstolos? Discutem «uns com os outros sobre qual deles era o maior»... (Embaraçante, não acham?)

É preciso ter em conta que a questão da hierarquização dos postos e das pessoas era um problema sério na sociedade palestina de então. Nas assembleias, na sinagoga, nos banquetes, a “ordem” de apresentação das pessoas estava rigorosamente definida e, com frequência, geravam-se conflitos inultrapassáveis por causa de pretensas infracções ao protocolo hierárquico. Os discípulos estavam profundamente imbuídos desta lógica. Uma vez que se aproximava o “triunfo” do Messias e iam ser distribuídos os postos-chave na cadeia de poder do reino messiânico, os apóstolos queriam ter o quadro hierárquico claro.

Ainda hoje convivemos com esta mentalidade e com a tentação diária de “ser os maiores”, de ocupar os primeiros postos e de dominar sobre os outros, mas temos de converter esta mentalidade ao ensinamento de Jesus: «quem quiser ser o primeiro, será o último de todos e o servo de todos».

Na comunidade cristã, a única grandeza é a grandeza de quem, com humildade e simplicidade, faz da própria vida um serviço aos irmãos. Todos temos de trabalhar para que na Igreja não hajam distinções baseadas no dinheiro, na beleza, na cultura, na posição social… Jesus Cristo deseja uma Igreja de irmãos iguais, a quem a comunidade confia serviços diversos em vista do bem de todos. Aquilo que nos deve mover é a vontade de servir, de partilhar com os irmãos os dons que Deus nos concedeu.

Jesus completa a sua lição com um gesto: toma uma criança, coloca-a no meio do grupo, abraça-a e convida-nos todos a acolhermos as “crianças”, pois quem acolhe uma criança acolhe o próprio Jesus e acolhe o Pai. Na sociedade palestina de então, as crianças eram seres sem direitos que não contavam do ponto de vista legal (pelo menos enquanto não tivessem feito o “bar mitzvah”, a cerimónia que definia a pertença de um rapaz à comunidade do Povo de Deus). Eram, portanto, um símbolo dos débeis, dos sem direitos, dos indefesos, dos marginalizados. No contexto da conversa que Jesus está a ter com os discípulos, este gesto significa o seguinte: somos “grandes”, não quando temos poder ou autoridade sobre os outros, mas quando abraçamos, quando amamos, quando servimos os pequenos, os pobres, os marginalizados, aqueles que o mundo rejeita e abandona.


(Tenham uma boa semana!)


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sábado, 12 de setembro de 2009

XXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano B)



Leitura do Livro de Isaías
(Is 50,5-9a)
O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio e por isso não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido. O meu advogado está perto de mim. Pretende alguém instaurar-me um processo? Compareçamos juntos. Quem é o meu adversário? Que se apresente! O Senhor Deus vem em meu auxílio. Quem ousará condenar-me?


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 114 (116)

Refrão: Andarei na presença do Senhor sobre a terra dos vivos.

Amo o senhor,
porque ouviu a voz da minha súplica.
Ele me atendeu
no dia em que O invoquei.

Apertaram-me os laços da morte,
caíram sobre mim as angústias do além, vi-me na aflição e na dor.
Então invoquei o Senhor:
«Senhor, salvai a minha alma».

Justo e compassivo é o Senhor,
o nosso Deus é misericordioso.
O Senhor guarda os simples:
estava sem forças e o Senhor salvou-me.

Livrou da morte a minha alma,
das lágrimas os meus olhos, da queda os meus pés.
Andarei na presença do Senhor,
sobre a terra dos vivos.


Leitura da Epístola de São Tiago
(Tiago 2,14-18)
Meus irmãos: De que serve a alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Poderá essa fé obter-lhe a salvação? Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia, e um de vós lhe disser: «Ide em paz. Aquecei-vos bem e saciai-vos», sem lhes dar o necessário para o corpo, de que lhes servem as vossas palavras? Assim também a fé sem obras está completamente morta. Mas dirá alguém: «Tu tens a fé e eu tenho as obras». Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé.


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 8,27-35)
Naquele tempo, Jesus partiu com os seus discípulos para as povoações de Cesareia de Filipe. No caminho, fez-lhes esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?» Eles responderam: «Uns dizem João Baptista; outros, Elias; e outros, um dos profetas». Jesus então perguntou-lhes: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a palavra e respondeu: «Tu és o Messias». Ordenou-lhes então severamente que não falassem d’Ele a ninguém. Depois, começou a ensinar-lhes que o Filho do homem tinha de sofrer muito, de ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas; de ser morto e ressuscitar três dias depois. E Jesus dizia-lhes claramente estas coisas. Então, Pedro tomou-O à parte e começou a contestá-l’O. Mas Jesus, voltando-Se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens». E, chamando a multidão com os seus discípulos, disse-lhes: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á».


LÓGICA DA CRUZ
O Evangelho deste domingo narra-nos o episódio que “divide as águas” entre a primeira e a segunda parte da obra de Marcos.

Nos primeiros oito capítulos fomos convidados pelo evangelista a participar numa viagem (mais catequética do que geográfica) onde acompanhámos Jesus nas suas deslocações pela região da Galileia, escutámos a Sua mensagem de Salvação e, aos poucos, fomos tomando consciência da verdadeira identidade do jovem carpinteiro de Nazaré. Este percurso de descoberta termina hoje, com a confissão messiânica de Pedro, em Cesareia de Filipe: «Tu és o Messias».

“Fechada” esta primeira secção entramos imediatamente no tema da segunda parte da obra de Marcos (Mc 8,31-16,8). O objectivo agora é explicar que Jesus, além de ser o Messias libertador, é também o “Filho de Deus”. No entanto, Ele não veio ao mundo para cumprir um destino de triunfos e de glórias humanas, mas para oferecer a sua vida em dom de amor aos homens. O ponto alto desta “catequese” será a afirmação do centurião romano junto da cruz: «realmente este homem era o Filho de Deus» (Mc 15,39).

Quando Pedro responde, «Tu és o Messias», sabemos que a sua afirmação é correcta. No entanto, esta frase podia prestar-se a graves equívocos, numa altura em que o título de Messias estava conotado com esperanças político-nacionalistas. Por isso, os discípulos recebem ordens para não falarem disso a ninguém. Era preciso clarificar, depurar e completar a catequese sobre o Messias e a sua missão, para evitar desilusões.

Tal como no passado, também hoje não basta “acreditar” em Jesus, se depois a nossa fé se baseia numa imagem deturpada de Deus e do seu projecto de Salvação para os homens.

«Vai-te, Satanás» são as duras palavras que Jesus dirige a Pedro quando este contesta a “lógica” da Sua missão messiânica. O apóstolo está a repetir as tentações que Jesus experimentou no início do seu ministério durante o período passado no deserto (cf. Mc 1,13). Somos convidados, junto com Simão Pedro, a corrigir a nossa perspectiva de Jesus e do plano do Pai que Ele vem realizar.

A lógica dos homens aposta no poder, no domínio, no triunfo, no êxito. Garante-nos que a vida só tem sentido se estivermos do lado dos vencedores, se tivermos dinheiro em abundância, se formos reconhecidos e incensados pelas multidões, se tivermos acesso às festas onde se reúne a alta sociedade. A lógica de Jesus aposta na entrega da vida a Deus e aos irmãos; garante-nos que a vida só faz sentido se assumirmos os valores do Reino e vivermos no amor, na partilha, no serviço, na solidariedade. Neste contexto, a cruz é expressão de um amor total, radical, que se dá até à morte; “tomar a cruz” significa entregar a própria vida por amor a Deus e para bem dos irmão. A “lógica da cruz” convida-nos a acreditar que oferecer a vida por amor não é perdê-la, mas ganhá-la.

Na nossa vida de cada dia, estas duas perspectivas confrontam-se, a par e passo… Qual é a tua escolha?


(Tenham uma boa semana!)



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sábado, 5 de setembro de 2009

XXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM (ano B)



Leitura do Livro de Isaías
(Is 35,4-7a)
Dizei aos corações perturbados: «Tende coragem, não temais. Aí está o vosso Deus; vem para fazer justiça e dar a recompensa; Ele próprio vem salvar-nos». Então se abrirão os olhos dos cegos e se desimpedirão os ouvidos dos surdos. Então o coxo saltará como um veado e a língua do mudo cantará de alegria. As águas brotarão no deserto e as torrentes na aridez da planície; a terra seca transformar-se-á em lago e a terra árida em nascentes de água.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 145 (146)

Refrão:Ó minha alma, louva o Senhor.

O Senhor faz justiça aos oprimidos,
dá pão aos que têm fome
e a liberdade aos cativos.

O Senhor ilumina os olhos dos cegos,
o Senhor levanta os abatidos,
o Senhor ama os justos.

O Senhor protege os peregrinos,
ampara o órfão e a viúva
e entrava o caminho aos pecadores.

O Senhor reina eternamente;
o teu Deus, ó Sião,
é rei por todas as gerações.


Leitura da Epístola de São Tiago
(Tiago 2,1-5)
Meus irmãos: A fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve admitir acepção de pessoas. Pode acontecer que na vossa assembleia entre um homem bem vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal vestido; talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom lugar», e ao pobre: «Tu, fica aí de pé», ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés». Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a tornar-vos juízes com maus critérios? Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que O amam?


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 7,31-37)
Naquele tempo, Jesus deixou de novo a região de Tiro e, passando por Sidónia, veio para o mar da Galileia, atravessando o território da Decápole. Trouxeram-Lhe então um surdo que mal podia falar e suplicaram-Lhe que impusesse as mãos sobre ele. Jesus, afastando-Se com ele da multidão, meteu-lhe os dedos nos ouvidos e com saliva tocou-lhe a língua. Depois, erguendo os olhos ao Céu, suspirou e disse-lhe: «Effathá», que quer dizer «Abre-te». Imediatamente se abriram os ouvidos do homem, soltou-se-lhe a prisão da língua e começou a falar correctamente. Jesus recomendou que não contassem nada a ninguém. Mas, quanto mais lho recomendava, tanto mais intensamente eles o apregoavam. Cheios de assombro, diziam: «Tudo o que faz é admirável: faz que os surdos oiçam e que os mudos falem».


EFFATHÁ
No tempo de Jesus, predominava uma mentalidade “geográfica” da santidade: quanto mais longe de Jerusalém, menores eram as possibilidades de salvação. Quem habitava na Judeia poderia ainda salvar-se, mas as populações da Samaria e da Galileia (regiões de fronteira, habitadas por populações mistas) dificilmente encontrariam benevolência aos olhos de Deus.

A “Decápole”, onde se desenrola o episódio deste Domingo, era o nome dado a uma liga de dez cidades, formada no ano 63 a.C., depois da conquista da Palestina pelos romanos. As “dez cidades” que formavam esta liga eram helenísticas e não estavam sujeitas às leis judaicas. Eram território pagão, considerado pelos judeus completamente à margem dos caminhos da salvação.

Aos olhos de um judeu comum havia ainda um outro elemento que tornava altamente improvável a acção de Deus neste contexto: a teologia oficial hebraica considerava as enfermidades físicas como consequência do pecado e um surdo-mudo era visto como um “impuro”, um maldito, distante anos-luz da graça divina.

Todo este enquadramento ajuda-nos a perceber a singularidade do milagre operado por Jesus. Não é “apenas” a narração de uma cura prodigiosa, mas é uma catequese clara e concreta onde aprendemos através de uma “parábola vivente” que Deus não faz distinção entre povos e que a Sua salvação está ao alcance de todos os homens e mulheres, até mesmo daqueles que o senso comum excluiria de qualquer possibilidade de redenção.

De acordo com Marcos, Jesus teria pronunciado a palavra “effathá” (“abre-te”), quando abriu os ouvidos e “soltou” a língua do surdo-mudo. Não se trata de uma fórmula mágica, com especiais virtudes curativas. “Effathá” é um convite ao homem fechado no seu mundo pessoal a abrir o coração à vida nova da relação com Deus e com os irmãos. É uma proposta feita a todos nós para que saiamos dos nossos esquemas rígidos, das nossas visões legalistas (e elitistas) da fé, para que façamos da nossa vida uma história de comunhão com Deus e de partilha com os irmãos.

Nos quatro evangelhos encontramos várias referências à “surpresa” que o último dia nos reserva, quando se tornar claro que muitos daqueles que considerávamos distantes da salvação (publicanos, prostitutas, pagãos, estrangeiros...) são na realidade os mais queridos aos olhos de Deus e precedem-nos no Reino dos céus. “Effathá!” Abre-te, querido irmão, à novidade de Deus! Abandona os teus esquemas de exclusão e abraça a mensagem de fraternidade sem fronteiras que Jesus revelou com a sua vida.

(Tenham uma boa semana! E se quiserem conhecer mais da geografia do Novo Testamento, cliquem AQUI.)



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